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16 de janeiro de 2018

Labirintos e outras teias







Jorge Cordeiro


Inebriados de inquietude andam os que temem que a realidade comprometa aquilo que têm por adquirido e irrevogável. Ainda que sabendo que nada do que é essencial e estruturante para os seus interesses está seriamente atingido, o temor não se dissipa.

Tempos infinitos e esforços não menos ilimitados para tentar convencer que país que se preze e ambicione ter futuro só encontra salvação no empobrecimento e na terraplanagem de salários e direitos e, de repente, este arreliador desmentido com crescimento económico e elevação das condições de vida a revelarem-se indissociáveis. Daí o accionar de alarmes e a prontidão no mobilizar de todo o arsenal destinado a dissuadir alguma desordem posta na casa. Não admira assim esta rotinada convivência com paternais conselhos sobre como se deve o País comportar, apimentado com a oferta envenenada de certos cargos, recomendações quanto ao sentido de poupança ou avisos para tentações de querer tudo de uma vez.




Do muito que circula com tons diversos e distintos ângulos de observação sobre matéria vária opte-se pelas que, com a eloquência possível, pretendem dar por imutável o que ao País se quer impor. Em particular os associados à dependência externa seja o do Euro ou o das imposições da UE mas com inusitada ênfase para a questão da dívida que, a partir de decisões recentes de agências de notação financeira, regressou. Assinale-se, fazendo justiça a um estilo menos rude e até com reconhecível elegância de escrita, os que concedendo razões aos que se opõem a fatalidades logo evoluem para nos enredar num sem fim de adversativas capaz de fazer desistir o mais resistente dos maratonistas. Dito de outro modo: um labiríntico raciocínio que, fazendo jus ao que por definição essa construção de percursos sinuosos deve servir, se revele capaz de desorientar quem os percorre.




Na sinuosidade argumentativa de alguns deve ser assinalada aquela que concedendo, à partida, razão aos que tendo opinião em sentido contrário desagua na conclusão que à priori se determinara: reconhecendo a insustentabilidade da dívida agitam de imediato o perigo de «ideias facilitistas» para defender que a ela continuemos amarrados; descortinando nas Moodys deste mundo entidades capazes de prestar serviços úteis logo avisam para o seu «comportamento enviesado» e para a desejável compostura para não as enervar; e até mesmo reconhecendo na renegociação da dívida uma óptima ideia logo adiantam, imbuídos daquele espectro do Diabo que “de boas intenções está o inferno cheio”, que assim seria se pudesse ser feita com facilidade e sem dor. E, não vá a vida exibir novas surpresas, lá vão prevenindo que mesmo que o País tivesse contas públicas “em ordem” o melhor é decidir em função do que os credores determinam não vá um dia precisarmos deles!





Sacuda-se o fatalismo em que nos querem encurralar. Engenhosas argumentações não iludem a incompatibilidade da dívida com a resposta plena às necessidades do desenvolvimento do País. Os excedentes que o País já gera devem ser canalizados para o investimento, a melhoria dos serviços públicos ou a dinamização da produção nacional, e não enterrados no poço sem fundo da dívida para agrado dos especuladores. É uma questão de opção: esvair saldos orçamentais positivos para pagar uma dívida aos usurários que contribuíram para a criar; ou, por exemplo, investir na saúde para que doentes não se amontoem em corredores de hospitais e que o metro tenha carruagens para circular. Subtrair recursos nacionais para pagar a dívida sonega os meios indispensáveis ao crescimento que em si mesmo é condição para a sua redução. O que a vida mostra, e reduções da expressão da dívida mais ou menos conjunturais não desmentem, é que o desenvolvimento do País é inseparável da renegociação da dívida e da indispensável libertação do País da submissão ao Euro para a sua concretização.





Percebe-se a intenção dos que querem iludir a necessidade de renegociação da dívida e afastar a recuperação da soberania monetária enquanto condição associada àquela. Por eles o produto nacional pode continuar a ser consumido nessa pira imensa onde ardem os recursos do País. É nesta labiríntica equação que se quer prender o País. Talvez porque inspirados na Grécia dos dias de hoje se socorram da mitologia, que faz parte da sua história e da nossa cultura comum, vejam no Labirinto de Creta o instrumento para nos aprisionar no meandro das inevitabilidades. Se a sua ambição é o de alcançar o que rei Minos pretendeu ao mandar Dédalo construir tal labirinto para aprisionar o Minotauro, desenganem-se. Nem Merkel ou quaisquer outras figuras sombrias dos centros de dominação são Poseidon, nem os opinadores ao serviço da submissão externa terão a criatividade da Dédalo. Mesmo que no presente como no passado haja quem queira fazer de rei Dédalo, subsiste um problema. O do direito dos trabalhadores e do povo português a não se conformarem em se manter enredados em percursos tortuosos e sem fim à vista
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